domingo, 7 de dezembro de 2014

Três metros abaixo do céu

“Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.”
Mario Quintana
Ana Paula Padilha

10-08-2011. Fazia um dia quente e lindo de fim de inverno. Os altos edifícios cor de chumbo contrastavam com o céu imenso e azul, visitado por poucas e branquinhas nuvens. Um ventinho agradável e despreocupado batia nas copas das árvores, mas ao contrário da calmaria do vento, Carol Rocha, uma ex-estudante de psicologia atrasada para chegar à agência, onde agora era publicitária, estava correndo contra o tempo.

Cruzando a Ipiranga e a avenida São João e nem mesmo o sinal vermelho para pedestres a impediu. Oh, meu Deus, de onde surgiu este ônibus? Socorro, minhas entranhas estão saindo pela boca, não posso falar, por favor, o que está acontecendo? Socorro. Gritou internamente. Estou me lembrando, eu atravessei a rua correndo, ai minha cabeça! Alguém tire este ônibus de cima de mim, não consigo mexer minhas pernas, será que vou viver? Por favor, Deus, me deixe viver, me deixe continuar andando, por favor..

De repente, parece que todas as pessoas que passavam pelo local na mesma velocidade que Carol andava para chegar ao trabalho, perderam toda a preocupação e começaram a se amontoar ao redor da cena. Carol estava estirada no chão, molhada pelo próprio vômito, ocorrido no momento em que o ônibus a atingiu e, embora estivesse presa pelo quadril entre o imenso veículo e o asfalto, permanecia com os olhos abertos e podia ouvir cada cochicho. Ainda estou viva? Tudo parece um sonho, surreal, um sonho. Algumas pessoas tentaram ajudar, e uma amiga surgiu. De quem são esses pés? Oh, é a Mi, ela está pegando minha bolsa. Isso mesmo, cuide das minhas coisas.
- Moça, aguente firme, o socorro já está chegando! – um mototaxista tentava acalmar a moça acidentada. Ela apenas o olhava perdida no espaço. Os bombeiros chegaram e levaram Carol para o hospital público mais próximo. A vida é mesmo muito frágil, uma bobagem uma irrelevância. Lembrou da música.
Pi.Pi.Pi.Pi.Pi. Carol acordou assustada ao som de um ritmado eletrocardiográfico ao seu lado e de mais cinco pacientes em fase terminal. Estava na UTI do hospital com um braço esquerdo e tornozelo quebrados, um dos joelhos deslocados, uma lesão na bexiga e fraturas comprometedoras no quadril. E ainda assim, estou viva e sem nenhum arranhão no rosto, isso é um milagre!
- Bom dia! – exclamou a doce enfermeira.
- Bom dia! – Carol sussurrou de volta.
- Você é uma menina de sorte! – falou a enfermeira. Ela tinha grandes olhos azuis, um rosto doce, um pouco amarelado, assim como baunilha. Nessas roupas brancas, parece um anjo. – Carol, seu rosto está impecável, acho que Deus não deixou retocarem a obra dele, você teve muita sorte – continuou.
- Eu estive três metros abaixo do céu! – respondeu Carol, com os olhos marejados.

Carol tinha um rosto levemente ovalado. Seus olhos e cabelos castanhos não a diferiam muito de outras garotas da sua idade. 23 anos. Quando sorria, era possível ver o brilho do aparelho que escondia seus dentes ainda intactos, apesar do acidente. Já estava no segundo dia, ainda imóvel e dormindo apenas duas horas por dia, porque os aparelhos agora pareciam uma escola de samba invadindo o silêncio comunal da sala. Toc, toc, toc! A porta abriu vagarosamente. Fábio, nossa, achei que nunca mais fosse vê-lo, obrigada, Deus, porque estou viva e posso ver o amor da minha vida, aqui na minha frente.
- Oi, amor! Estive tão preocupado. Só posso ficar durante 15 minutos, mas trouxe um iPod para você. Quando o jovem alto e com a barba por fazer lançou seu último olhar e saiu fechando a porta pelos calcanhares, Carol deu play no iPod. Eu acho que sempre vou chorar quando ouvir essa música, ele é mesmo o homem da minha vida.

Everywhere I’m looking now
(Em todos os lugares que estou olhando agora)
I’m surrounded by your embrace
(Você me cerca com o seu abraço)
Baby I can see your halo
(Amor, posso ver sua auréola)
You know you’re my saving grace
(Você sabe que é a minha graça salvadora)
You’re everything I need and more
Você é tudo que preciso e mais)
It’s written all over your face
(Isso está escrito em todo o teu rosto)
Baby I can feel your halo
(Amor, posso sentir a sua auréola)
Pray it won’t fade away
(Rezo para que ela não desapareça)

Faltavam ainda duas cirurgias. Uma no tornozelo e outra no quadril, onde a pancada foi feia e por causa dessa lesão, a doce Carol quase havia perdido o dom de respirar por conta da hemorragia desenfreada que escorria dentro de si. Quatro dias depois de dar entrada na UTI, a Carol, com as costas cheias de bolhinhas, quase impossibilitada de se mexer e com a pele extremamente sensível, foi transferida para o quarto 508 do Hospital Público de São Paulo.

- Tchulim!!!!!!! - As alegres vozes que exclamaram o apelido de Carol eram do grupo de amigos que acompanham a moça todos os dias pelas postagens diárias que ela relatava em seu blog, na internet.
- Oi, gente! - Balbuciou já com lágrimas nos olhos. Sofri um bocado, mas hoje me sinto a pessoa mais amada do mundo. - Vocês são foda! - Respondeu resumindo seus melhores sentimentos.


PiPiPi, junto com a Beyoncé, o eletrocardiográfico já havia se tornado quase a trilha sonora de sua vida. Os olhos se abriram tão devagar como dois amantes que adiam a despedida. A luz entrou tão rapidamente como um raio que corta a escuridão do céu tempestuoso. Embora estivesse fraca, quebrada e debilitada, possuía uma força inexplicavelmente imensa. Havia acordado cinco horas depois do fim de sua última cirurgia. Foram contabilizadas dez bolsas de sangue injetadas em suas veias. Quantas pessoas precisaram doar um pouco de suas próprias vidas para que eu pudesse estar aqui, vivendo também. O sangue de quantas pessoas está correndo nas minhas veias? Eu não sei, mas certamente o vermelho do amor chegou ao meu coração e me marcou tão profundamente, que nunca vou esquecer o quanto o ser humano precisa do próximo. 

domingo, 4 de março de 2012

Só continue

Você caminha tanto que suas pernas chegam a tremer por não mais suportar os obstáculos. Em meio aos tropeços e quedas, tantos dizem que a loucura te dominou e eventualmente alguém te segura pelas mãos e grita que não desista. Então você segue em frente, continua andando sem olhar pra trás, ignorando o que te machuca pelos lados e prestando atenção em tudo que está a sua fronte.

Nem sempre vai ser fácil ou rápido, mas você já sabia disso quando decidiu começar.
Dias e mais dias vivendo por tão pouco, dormindo sem saber o que vai ser e nem mesmo milhões de estrelas brilhando sob a tua cabeça podem te ajudar.

Um dia, quando você já estiver acostumado com o percurso, você finalmente vai levantar os olhos e ver um monte de infinito. O ar vai entrar pelas tuas narinas e invadir os teus pulmões. A adrenalina vai bombear teu corpo, como sangue que corre nas veias. Tudo que você vai conseguir dizer é: valeu a pena.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Capítulo 22

Há alguns móveis dispostos pelo cômodo, vejo livros antigos, álbuns de fotografia. Estou num quarto e a janela está aberta, sinto a brisa suave e então ouço os grilos anunciando a noite. Fecho os meus olhos e posso voltar no tempo. Posso ouvir um choro estridente; é o momento em que eu nasci. Havia flores no quarto e o sorriso do meu pai, emocionado por me ver pela primeira vez. Vejo também algumas quedas; sou eu em um ensaio de primeira caminhada.
Posso visualizar as recordações da minha primeira aula, dos primeiros amigos, das músicas que eu comecei a ouvir. Aquelas conversas intermináveis com meus pais. Aquele mergulho no mar, o azul do céu e as nuvens correndo. O banho de chuva, o castelo de areia e o quebra-cabeças mais difícil do mundo. As bonecas, os primos, a bola correndo pela rua e as fantasias de criança. Os avôs, os tios, o sorriso de minha mãe e a mão estendida pra me socorrer.
Não esqueço ainda, as horas que passei imaginando o futuro. Tão menos, as lágrimas nostálgicas com histórias do passado. E agora estou aqui, vivendo o que planejei. De uma forma mais dura, mas ainda sim, estou aqui. As pessoas que eu conheci; os lugares que eu estive; os livros que eu li; as canções que eu ouvi e senti.
Há 22 anos, eu chorei por respirar pela primeira vez. Hoje, eu sorrio por continuar respirando.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Longe dos meus olhos, dentro da memória

   Olhei para aqueles olhos que eram audaciosamente mais azuis que o anil do céu e tive certeza de estar flutuando pela imensidade do paraíso. Corpo grande, mãos fortes. O tumulto na minha cabeça se formava por tentar inutilmente compreender a complexidade daquela imagem. Me perguntava a todo instante como podia ser bruscamente perspicaz e meramente doce, capaz de formar  um ser ausente de defeitos. 
  Um sorriso largo, tão mesmo tímido, me fez perceber o quão inexplicáveis são essas minhas dúvidas. Um olhar firme e vazio me fez querer ouvir sua voz. Frações de segundos foram suficientes para que sensações distintas corressem por debaixo de minha pele. Eu o vi ir embora, se afastando pouco a pouco, como se esperasse por um apelo. 
  Mesmo assim permaneci ali, ainda estática, alucinada. Espero por respostas, caminhos que me levem novamente em direção aquele olhar. Ainda que eu queira ansiosamente vê-lo, eu o sinto e de qualquer forma isso tem me consolado. Embora isso pareça loucura, minha sanidade permanece intacta e eu insistentemente ainda procuro em minhas lembranças pelo branco puro de seu rosto. Está tudo bem, ele ainda está aqui impregnado em minhas pupilas e preso em minha mente, enquanto o sempre durar.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Simples

Mergulhe nos dias nublados, nas cores apagadas, nos momentos perdidos.  Desligue-se dos olhares caídos, dos movimentos confusos, das palavras não ditas. Faça o mesmo com os problemas, com a vida sem graça, com as paixões não correspondidas e também com seus piores medos.  Esqueça aquilo tudo que te faz mal. Esvazie sua mente. Nada é tão bonito se você não estiver nas alturas. A liberdade sempre irá falar mais alto. Respire, liberte-se do corpo e sinta, apenas.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Ensejo


  Não posso entender como o tempo pode caminhar assim, levando tudo que pareceu por um minuto ser eterno.  Sobram apenas pensamentos que flutuam no vazio, é algo sem volta. Pensar no que aconteceu, parece algo irreal, como os sonhos que deixam essa incerteza ao acordarmos. 
  Ainda que sem respostas, meu coração não aceita esses flashes de vida, coisas que as pessoas costumam chamar de tempo. Dizem que esse tal tempo é o remédio das dores provocadas por paixões não correspondidas ou perdas irreversíveis. Algo me diz que isso é apenas mais uma desculpa, uma mentira pronta, daquelas que a gente conta a si mesmo para deixar as coisas não tão difíceis.
  Sinto vontade de fazer o mundo parar de girar, congelar as paisagens, tocar eternamente no céu. É difícil aceitar que isso é algo a ser conquistado a cada dia, pois cada vez que alcançamos a felicidade, isso novamente se torna mais um arquivo de memória, uma chave de coração, fumaça ao vento.
  Se ainda pudesse escolher, talvez preferisse a máquina do tempo, reviver cada coisa boa que está guardada dentro de mim. Se pudesse, seria como as fotografias que estão em minha mesa, que permanecem ali me esperando, para que eu as admire a cada vez que olhe.
  Acho que mesmo sem me conformar, de alguma maneira, acredito que essa é a forma certa das coisas acontecerem. O tempo passa, as coisas mudam e continuam seguindo. É uma grande história sem fim, povoada por personagens distintos e cheios de objetivos. Os personagens passam com o tempo, e o que fica é a certeza de uma história escrita aos ares.
  Não há explicação, as lembranças são apenas sonhos que já foram vividos. Isso é sempre o que resta, a única certeza de que nada foi irreal. 

Ana Paula Padilha

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Coração fugaz;


A pequena história de um bobo inconsequente. 

Ele diz que ela é sua princesa e que ninguém pode superar isso. Faz com que ela se sinta como em um sonho. O jeito que a adula, faz aqueles olhos brilharem, mas ela teme o sofrimento.
Ele diz o quanto ela é importante e maravilhosa.
Coloca-a no topo e fixa os olhos nela.
Diz que é seu bebezinho, e isso é tão doce.
Ela tenta não se entregar, mas como resistir se já está apaixonada?
Decide arriscar. Ele a ama por dois dias e some pelo mundo.
Ela chora, chora, chora e tenta entender o porquê. Seus prantos causam delírios. Tenta mentir para si mesma que é apenas um longo pesadelo.
Ela precisa esquecer o homem que tomou conta da sua vida sem que ela mesma permitisse. São longos os dias em que ela não vive, sente apenas seu corpo existindo, pedindo que ele volte.
O tempo passa, ela fez outras coisas e supera – com muito custo – a perda de sua paixão.
Sem esperar, a surpresa está ali: ele volta, pedindo seu amor de novo.
Magoada, ela não pensa duas vezes e nega o sofrimento.
Sua boca pede os beijos dele, mas seu coração sabe o que fazer.
Ela precisa de muito mais do que ele pode oferecer. Isso é tão superficial.
Ela precisa de um coração e uma alma e não de um corpo sedento de paixão.
“Vá até o fundo garoto, chegue à beleza interior, abra sua mente e pense”.
Ao vê-la indo embora, sente seu coração pulsando acelerado. Dá-se conta do erro que cometeu, e angustiado, pensa no que fazer; no que falar. Mesmo assim, pensa que será fácil como da primeira vez, e quando toma coragem para enfim dizer o que sente, na certeza de tê-la novamente percebe que nesses segundos, sem pensar, ela se foi.
Agora é tarde. Ele chora, chora, chora...




                                                                                                                                   Ana Paula Padilha